Em algum lugar no passado
Projeto “Café com os avós” resgata a história com a ajuda das famílias dos estudantes.
Na primeira vez em que o aposentado Irineu Gomes de Souza, avô do aluno Lucas Martins, veio à Maceió, em 1964, o mundo passava por transformações. Os Estados Unidos viviam a euforia da primeira visita dos Beatles ao país. No Brasil, os militares destituíam o presidente João Goulart – eleito democraticamente pelo voto popular – e instituíam o Golpe Militar no País. Mas seu Irineu não pensava nisso. Seu foco – e principal motivo da vinda a Alagoas – era uma namoradinha de juventude que residia em Murici, a 51 km da capital.
Para chegar mais rápido ao encontro, escolheu se hospedar no antigo Hotel Central, na Praça dos Palmares, próximo à estação de trem. Antes de ir, quis conhecer a bela capital que o recebeu. Passou as instruções para o taxista: queria ver todo o litoral da cidade. “Mas a corrida terminou na Pajuçara, na Praça Lyons”, relembra com humor do curto passeio.
Jatiúca e Ponta Verde ainda não tinham orla, não eram sequer bairros. “Eram a praia das acanhadas, das meninas que tinham vergonha de mostrar o biquíni na praia da Avenida, para onde todo mundo ia”, conta seu Irineu, aos 71 anos – 16 deles morando em Maceió. Sua história em Alagoas, porém, começou mesmo nos anos 70, em Penedo. Seu Irineu saiu de Petrolândia, Pernambuco, para ser radiotelegrafista na histórica cidade alagoana, na época em que o lugar era um importante centro de cultura nacional. Viveu o auge da Penedo do Festival de Cinema e dos encontros dos governadores do Nordeste, promovidos pela Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). “Em 1975, eu fui responsável por transmitir o encontro para o Recife por telégrafo”, orgulha-se.
Admirador das belezas naturais do nosso Estado e contador de história por dom, seu Irineu compartilhou seus causos com bom humor e orgulho no Café com os avós realizado pelo Contato em maio deste ano. O evento teve ainda exposição de fotografias feitas por alunos, oficina com rendeiras e apresentações de folguedos regionais.
O Café com os avós é a conclusão do projeto pedagógico Conhecendo nosso estado e as belezas naturais, desenvolvido com os alunos do 6o ano do Ensino Fundamental. “A proposta é trazer o passado para o presente com ajuda das famílias”, explicou a coordenadora pedagógica Mauricéa Nascimento.
Mauricéa explica que o projeto é feito em etapas, com apresentações em sala de aula, atividades para serem feitas em família, e é finalizado com o encontro entre professores, alunos e familiares. Na primeira fase, é trabalhada a geografia e a história de Alagoas em sala de aula, com material didático específico. “Nas aulas, é transmitida aos alunos a história dos primeiros bairros da capital e a origem do nome Maceió”, explica.
Depois de ter aprendido sobre a origem do Estado e de sua capital, os alunos devem entrevistar seus avós. Na entrevista, os avós relatam memórias da juventude vividas aqui em Alagoas. Em seguida, o colégio os convida a compartilhar essas histórias com toda a turma.
O projeto, no entanto, não acaba com o fim do ano letivo. É dada continuidade ao conteúdo nas turmas de 7o e 8o anos, agora com foco nas belezas naturais de Alagoas e nas questões ambientais. Nesse período escolar, os alunos conhecem reservas naturais e pontos turísticos do Estado. O objetivo pedagógico, ainda de acordo com a coordenadora do Ensino Fundamental do Contato, é estimular os alunos a desenvolverem ações locais de cidadania. “Apesar de não ser um conteúdo complementar, queremos que os alunos conheçam a cidade para se tornarem cidadãos cada vez mais responsáveis”, ressalta Mauricéa.
Seu Irineu também acredita que conhecer o local onde vive pode fazer a diferença. Por isso, resolveu colocar em versos o que vê diariamente durante suas caminhadas pela orla de Maceió. Com estilo literário de trova e cordel, o aposentado reuniu 12 poemas no livreto Belezas de Maceió, que trata sobre as praias e outros pontos turísticos da capital alagoana.
Mesmo depois de aposentado como bancário, ele resolveu continuar em Alagoas, onde criou raízes, dois filhos e quatro netos, que aprendem e se divertem com as histórias do avô. Para contar seus versos e causos para o neto Lucas, seu Irineu até trocou o velho telégrafo pelas novas tecnologias. “Ele me manda poesia até pelo Whatsapp”, revelou Lucas com bom humor, e afirma achar divertido não só o café, mas qualquer hora com o avô.
Texto de Mayara Barros publicado na Revista Contato! Edição 2014
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